Pesquisas mostram que entre os grandes medos que as pessoas costumam ter, falar em público figura em primeiro lugar, à frente da morte, que fica em segundo.
Ao saber disso, Jerry Seinfeld, o mais famoso comediante americano da atualidade, não perdeu a piada: “Isso significa que se você for uma pessoa comum e estiver em um funeral, provavelmente preferirá estar deitado no caixão a ter de discursar sobre as virtudes do finado.”
Para as pessoas extremamente tímidas, categoria que frequentei por muito tempo, a ideia de ser o centro das atenções é, de fato, aterrorizante. Quem não tem problemas de timidez não entende esse tipo de angústia. São pessoas que puxam assunto com desconhecidos, põem-se ao microfone no karaokê mesmo estando sóbrias, reclamam seus direitos em altos brados no caixa do supermercado, inauguram a pista de dança, pedem a palavra em reunião de pais e mestres… Para estes, o tímido é um coitado, um problemático que precisa de tratamento.
Embora não chegue a ser uma doença, a timidez não é uma característica que se deva levar por toda a vida. A introversão prejudica a sociabilidade. O tímido tem muito a perder. E eu sempre soube disso. Lutei muito tempo contra a timidez, buscando racionalizá-la, mas poucas vezes consegui contorná-la. Até que veio o ano de 1993…
Em junho de 1993, com 23 anos de idade, tomei posse no cargo de Procurador da Fazenda Nacional, concurso no qual, à época, para minha satisfação, não havia prova oral. Cerca de um mês de casa, fui chamado por uma procuradora mais antiga para uma conversa. “Preciso fazer uma viagem e indiquei você como meu professor substituto no curso de pós-graduação em direito tributário da universidade X”, disse-me ela. “Você dará quatro aulas, já no mês que vem. Prepare-se!”. Não foi um convite. Fui intimado e não tive chance alguma de manifestar recusa. Voltei para casa aterrorizado e assim permaneci em todo o tempo que antecedeu o início das aulas. Preparava-me com afinco, racionalizava a experiência (“O que pode me acontecer de ruim? Não vou morrer…”), mas a angústia crescia dia a dia.
Na estréia, cheguei com uma hora de antecedência e fiquei circulando como um louco pelo campus da faculdade, olhando para o chão e tentando me acalmar, sem sucesso. Entrei completamente tenso em sala de aula. Fui agressivo com os alunos logo no primeiro contato, postura típica de quem quer manter distância. Lecionava olhando para as paredes, voltava-me o tempo todo para o quadro, dando as costas ao meu público, levantava a voz desnecessariamente…enfim, uma estréia trágica. Mas fui ganhando confiança e melhorei nas aulas seguintes. No fim das contas, ainda que a experiência dos alunos não tenha sido boa, para mim acabou ao menos funcionando para quebrar o gelo.
Logo depois veio outro sofrimento: a prova oral do concurso do Ministério Público, em setembro do mesmo ano de 1993. Ainda que o espírito da banca parecesse de aprovação e que eu estivesse bem classificado, não foi uma experiência sem trauma. O auditório estava cheio e submeter-me àquela massa de curiosos era a última coisa que eu queria. Ao menos a prova versava sobre apenas um tema, sobre o qual tive de fazer uma exposição de 10 minutos. Foi difícil, gaguejei algumas vezes, mas no todo não foi mal e acabei sendo aprovado.
O pior viria logo depois.
Minha primeira lotação como Promotor de Justiça foi na Comarca de Resende. Imediatamente na chegada, a bomba: em 15 dias, teria de fazer um júri. Um júri! Agora, já não bastaria falar em público. Teria ainda de me esforçar para convencer 7 jurados. Mas por que diabos fui escolher essa carreira? Não era muito fã da área criminal, mas tolerava as audiências. Agora, um júri estava além da conta. Minha primeira reação foi procurar colegas indagando se seria possível pedir à corregedoria que enviasse algum outro promotor que me substituísse no encargo. Fui prontamente demovido da estapafúrdia ideia. Cheguei a pensar em simular uma doença ou algo similar, mas, no fim, não tive escolha. Passei a estudar o processo como se não houvesse amanhã. Não queria e não podia ser surpreendido pelo advogado de defesa. Esta, aliás, era uma outra preocupação: contra quem eu duelaria?
Corri atrás de conselhos de colegas mais experientes. Ouvi de tudo. “No júri, não é promotor que tem que ficar nervoso, nem o defensor e nem o juiz. Quem tem que ficar nervoso é o réu!”; “se o advogado de defesa estiver encontrando um bom ritmo e atraindo a atenção dos jurados, jogue os autos do processo no chão, tussa bem alto, dê uma gargalhada…depois peça desculpas; isso irá desconcentrá-lo”; “se o advogado chorar falando da família do réu, chore logo depois referindo-se à família da vítima; se não chorar, o júri estará perdido”. Como se vê, esses conselhos nada ajudam que não é versado em artes cênicas…
Processo estudado, folhas marcadas, tese de acusação preparada, chega o dia. “Metade” da cidade acorre ao salão do júri. Estou na sala do Ministério Público, como se estivesse em uma jaula. Ouço o burburinho e me encho de ansiedade. Ando nervosamente de um lado para o outro. “Preciso me acalmar, senão posso sofrer um ‘branco'”. Peço à moça da lanchonete que me traga um suco de laranja. Quando ela volta com a jarra, aparece um engravatado atrás dela e pede para falar comigo. Não digo nada, mas ele entra mesmo assim e se apresenta: é o meu “adversário”. Aparenta ter pouco mais que a minha idade. Cumprimento-o sem graça e desejo um bom júri. “Quantos júris o senhor já fez?”, pergunta ele. Por uma fração de segundo penso em qual seria a resposta mais adequada para o momento, mas opto pela sinceridade e informo que estou debutando. Ele respira aliviado e sorri: “eu também!”. O clima dá uma desanuviada e eu ofereço-lhe um copo de suco. Ele então pergunta se estou nervoso. Digo que estou um pouco e ele mostra cumplicidade: “pois estou em pânico e preciso relaxar de alguma maneira”. Dizendo isso, tira do paletó uma garrafinha de Johnny Walker e indaga se iria bem com o suco de laranja. Na mesma hora estendo o copo. Bebemos juntos, em silêncio. É claro que whisky não vai bem com suco de laranja, mas quem se importa? Além do mais, uma dose não me faria mal. Terminamos em silêncio e nos despedimos, com um aperto de mãos tremidas.
O júri transcorreu na normalidade e não me recordo de nada digno de nota. O réu acabou condenado, por 4 votos a 3. Não comemorei o resultado. Alguém foi morto, houve um júri e o réu foi condenando. Não havia o que festejar. Mas fiquei feliz com o meu desempenho. Já me sentia mais confiante para falar em público. Cheguei a fazer júris também em outras comarcas de interior, até que fui designado para a baixada fluminense, onde, durante cerca de três meses, fiz algo em torno de 20 júris. Foi a minha grande escola de oratória. A partir dali, fiquei vacinado e já me sentia mais confiante para falar em público. Eliminei as gírias, passei a concatenar melhor as ideias e a ser conclusivo e foquei na boa dicção.
Em 1996 mudei novamente de emprego ao tomar posse no cargo de Juiz Federal. Já mais tarimbado, passei a lecionar em cursos preparatórios para concursos e nunca mais parei. E lá se vão, desde então, 18 anos de aulas, seminários, palestras etc. A timidez ainda persiste, mas consigo controlar. O importante é que o medo de falar em público nunca me impediu de aproveitar as diversas oportunidades profissionais que me apareceram.
Para quem ainda luta para vencer esse medo, aí vão alguns conselhos:
- sempre que possível, aceite os convites que receber
Se você racionalizar, nunca vai se achar pronto. Se alguém te convidou, é porque tem um mínimo de confiança no seu potencial. Honre essa confiança e vá à luta. Ainda que as primeiras experiências não sejam das melhores, você irá ganhando cancha e, com o tempo, acabará se acostumando
- prepare-se intensamente, com a máxima antecedência possível
Nunca apareça para falar em frente a uma platéia, seja qual for o tamanho dela, sem dominar o assunto sobre o qual irá discorrer. Nem pense em improvisar. A confiança só virá com a certeza do conhecimento.
Treine a exposição em frente a um espelho ou grave em vídeo o ensaio. Veja se há algo errado ou estranho em seus gestos, se estão repetitivos ou nervosos. Corrija a postura. Elimine os vícios de linguagem.
- comece de forma impactante
Os 3 primeiros minutos são vitais em qualquer exposição oral. Qualquer sinal de insegurança, receio ou chatice serão logo notados pela platéia, que, nesse caso, irá se dispersar ao longo da narrativa. Assim, se possível, comece logo atacando algum aspecto da exposição que pode gerar grande curiosidade, como um cartão de visitas. As expressões nos rostos dos ouvintes demonstrarão interesse e isso te fará relaxar e aproveitar a jornada.
- se não tiver mais nada a dizer, encerre
Já viu alguém reclamar que a palestra foi curta? Ainda que tenha falado menos tempo que o programado, é melhor finalizar cedo que tentar improvisar para ganhar tempo.
E, a propósito, não me ocorre mais nada, por isso encerro aqui.